Este pequeno texto é para ajudar o 3ª série no seu simulado deste trimestre.
Filosofia e
Ciência
A demarcação
das ciências naturais em relação à filosofia foi um processo longo e gradual no
pensamento ocidental. Inicialmente, a investigação da natureza das coisas
consistia numa mistura entre o que hoje seria visto como filosofia
(considerações gerais das mais vastas sobre a natureza do ser e a natureza do
nosso acesso cognitivo a ele) e o que hoje seria considerado como próprio das
ciências particulares. Se olharmos para os fragmentos que nos restam das obras
dos filósofos pré-socráticos, encontraremos não só tentativas importantes e
engenhosas para aplicar a razão a questões metafísicas vastas, mas também as
primeiras teorias físicas, simples mas extraordinariamente imaginativas, sobre
a natureza da matéria e os seus aspectos mutáveis.
Na época da filosofia grega clássica
já podemos encontrar uma certa separação entre as duas disciplinas. Nas suas
obras metafísicas, Aristóteles faz claramente algo que hoje seria feito por
filósofos; mas em muitas das suas obras de biologia, astronomia e física
encontramos métodos de investigação que são hoje comuns na prática dos
cientistas.
À medida que as ciências particulares,
como a física, a química e a biologia, foram aumentando em número, canalizando
cada vez mais recursos e desenvolvendo metodologias altamente individualizadas,
conseguiram descrever e explicar os aspectos fundamentais do mundo em que
vivemos. Dado o sucesso dos investigadores das ciências específicas
particulares, há muito quem pergunte se ainda restará algo para os filósofos
fazerem. Alguns filósofos pensam que
existem áreas de investigação que são radicalmente diferentes das que pertencem
às ciências particulares, como, por exemplo, a investigação sobre a natureza de
Deus, sobre o "ser em si" ou sobre qualquer outra coisa do gênero.
Segundo uma perspectiva mais antiga,
que foi perdendo popularidade ao longo dos séculos sem nunca desaparecer
inteiramente, existe uma maneira de conhecer o mundo que nos seus fundamentos
não precisam de depender da investigação observacional ou experimental própria
do método das ciências particulares. Esta
perspectiva foi influenciada parcialmente pela existência da lógica e
matemática puras, cujas verdades firmemente estabelecidas não parecem depender,
para que estejam garantidas, de qualquer base observacional ou experimental.
De Platão e Aristóteles a Leibniz e aos outros racionalistas, passando por Kant
e pelos idealistas, e mesmo até ao presente, tem persistido a esperança de que,
se fôssemos suficientemente inteligentes
e perspicazes, poderíamos estabelecer um corpo de proposições que descreveriam
o mundo e que, no entanto, seriam conhecidas com a mesma certeza com que
dizemos conhecer as verdades da lógica e da matemática. Poderíamos
acreditar nessas proposições independentemente de qualquer apoio indutivo
obtido de fatos específicos observados. Se dispuséssemos de um corpo de
conhecimento como esse, não teríamos atingido o objetivo procurado durante
séculos pela disciplina tradicionalmente conhecida por "filosofia"?
Segundo uma perspectiva mais recente,
o papel da filosofia não é o de funcionar como fundamento ou extensão das
ciências, mas como sua observadora crítica. A ideia é a de que as disciplinas científicas
particulares usam conceitos e métodos. As relações entre os diversos conceitos,
embora estejam implícitas no seu uso científico, podem não ser explicitamente
claras para nós. O papel da filosofia da
ciência seria assim o de clarificar essas relações conceituais. Uma vez
mais, as ciências particulares usam métodos específicos para fazer
generalizações, a partir de dados da observação, em direção a hipóteses e
teorias. O papel da filosofia, segundo
esta perspectiva, é o de descrever os métodos usados pelas ciências e explorar
as bases de justificação desses métodos, isto é, compete à filosofia mostrar
que os métodos são apropriados para encontrar a verdade na disciplina
científica em questão.
Nas ciências
específicas, as teorias por vezes não são adaptadas devido apenas à sua
consistência com os dados da observação, mas também com base na sua
simplicidade, força explicativa ou outras considerações que pareçam contribuir
para a sua plausibilidade intrínseca. Quando constatamos isto, começamos a
perder confiança na ideia de que existem dois domínios de proposições bastante
diferentes: aquelas que são apoiadas apenas por dados empíricos, e aquelas que
são apoiadas apenas pela razão. Muitos pensadores contemporâneos, como Quine,
estariam dispostos a defender que as ciências naturais, a matemática, e até a
lógica pura, formam um contínuo unificado de crenças sobre o mundo. Todas elas,
defendem estes, são indiretamente apoiadas por dados da observação, mas todas
contêm também elementos de apoio "racional". Se isto for verdade, não
será a própria filosofia, vista como o lugar das verdades da razão, uma parte
do todo unificado? Isto é, não será também a filosofia apenas uma componente do
corpo das ciências especializadas?
Quando
procuramos a descrição e a justificação apropriada dos métodos da ciência,
parece que estamos à espera que os resultados específicos das ciências
particulares entrem de novo em cena.Como poderíamos, por exemplo, justificar a
confiança da ciência na observação sensorial se a nossa compreensão do processo
perceptivo (uma compreensão baseada na física, na neurologia e na psicologia)
não nos assegurasse que a percepção, tal como é usada quando se testam as
teorias científicas, é realmente um bom guia da verdade sobre a natureza do
mundo?
É ao
discutir as teorias mais gerais e fundamentais da física que a imprecisão da
fronteira entre as ciências naturais e a filosofia se torna mais manifesta.
Dado que elas têm a ambição ousada de descrever o mundo natural nos seus
aspectos mais gerais e fundamentais, não é surpreendente que os tipos de
raciocínio usados ao desenvolver estas teorias altamente abstratas pareçam por
vezes estar mais próximos dos raciocínios filosóficos que dos métodos usados
quando se conduzem investigações científicas de âmbito mais limitado e
particular. Mais adiante, à medida que explorarmos os conceitos e os métodos
usados pela física quando esta lida com as suas questões fundamentais mais
básicas, veremos repetidamente que pode estar longe de ser claro se estamos a
explorar questões de ciência natural ou questões de filosofia. Na verdade,
nesta área da investigação sobre a natureza do mundo, a distinção entre as duas
disciplinas torna-se bastante obscura.